Introdução
Registro, documentação ou necessidade de expressão, sacra ou profana, o fato é que a incisão ou gravado sobre superfícies rijas está presente desde que se conhece a história do homem. É de se supor que o esforço de apropriação e revelação de seu universo, milhares de anos antes da invenção do papel e da imprensa, tenha levado o homem a uma forma de registro. Possivelmente esta intenção aliada ao gesto de gravar impregnou de características específicas aquilo que iria estruturar uma "linguagem" bem distinta da do desenho, da pintura, da escultura, da fotografia e do cinema.
A troca, a comunicação e a divulgação no momento em que o homem se organiza socialmente, e especificamente com o advento dos primeiros núcleos urbanos, criaram a necessidade de encontrar um meio de multiplicação não só de texto como também de imagens. As implicações culturais e sociais que daí advieram são indiscutíveis.
A multiplicação de um original - a partir de uma matriz geradora veio romper a tradição valorativa da peça única, provocando uma renovação que iria afetar, inclusive o conceito e as avaliações estéticas. O valor de uma obra que aumenta ou diminui pelo fato de estar limitada a um possuidor privilegiado é quando muito, posta em questão. Esse valor na obra de multiplicação aumenta na medida do seu desdobramento, uma vez que patrocina a possibilidade de um convívio sem barreiras geográficas, sociais e culturais, com imagens, conceitos permanentemente transformadores da realidade. Assim a gravura vem expressar os anseios dos homens, sociais e culturalmente distanciados e diferenciados, consignados deste modo o seu alto sentido democrático.
Voltar
Xilogravura
Voltar
Dos gregos (madeira), é aquela técnica que se origina de um trabalho de incisão manual direto feito sobre uma matriz de madeira. Utilizando instrumentos de corte apropriados (goivas, facas, formões e buris), a "matéria" é retirada do suporte deixando visível um contorno de altos e baixos relevos. Seu caráter dominante reside na extração e não na adição de matéria, subvertendo portanto a atitude do artista: os espaços emergem de dentro para fora. O sulco e o relevo geram assim valores de luz e sombra e zonas intermediárias em que o preto e branco não significam cheio e vazio.
A mão, aliada ao instrumento agindo sobre o material, que oferecerá maior ou menor ataque, está sujeita a um ritmo de atuação biologicamente contido no gesto e na resistência da matéria. Por isso é que se diz que a xilogravura é aquela forma de expressão gráfica em que "mais a execução faz parte da criação".
Cada instrumento corresponde a um tipo de sulco deixado na matriz. Dizemos por isso que em xilogravura existe um verdadeiro alfabeto instrumental a ser aprendido e praticado. Ao gravar em madeira de topo, ou seja, madeira seccionada contra o fio, usando de preferência buris simples ou buris rajados (velôs) resultarão em geral valores brancos sobre fundo negro. É a xilogravura propriamente dita quando o instrumento pode mover-se em todas as direções. Ao gravar em madeira de fio, ou seja, madeira seccionada a favor do fio natural, usando de preferência facas, formões e goivas, resultarão em geral valores pretos sobre fundo branco. É a xilogravura propriamente dita quando o instrumento só pode mover-se em direção do fio e não contra o fio. Esses dois sistemas associados ou mistos é que dominam a gravura em madeira. Sendo que, inclusive, é totalmente válido hoje em dia o uso de um instrumental mecânico, quando necessário ao artista para alcançar um determinado, fim ou imagem. Assim com a utilização na imagem de texturas ou efeitos naturais da madeira, incorporados propositadamente à composição.
No estágio de tingagem e impressão, a xilogravura artística recebe em geral um tratamento manual, a frio.
Impregna-se de tinta uma matriz com um rolo, com uma escova ou com pincel, dependendo da natureza da tinta (a óleo ou a água).
Uma matriz inteira ou setores dela ou várias matrizes que compõem uma mesma imagem são (monocromia ou policromia) assim entintadas, em seguida estão prontas para serem impressas num papel que será apoiado sobre seus relevos. No verso desse papel é exercida uma pressão, variando de intensidade conforme a natureza do instrumento: colher bambu, espátula de osso, "frottage" com pano, boneca de couro, "baren" japonês, rolos de borracha, madeira ou sintéticos, que determinará uma nítida fixação da imagem gravada, no verso.
Na Inglaterra, Itália, Alemanha e Flandres eram muito grande o número de anônimos que desde 1406 produziam blocos de madeira gravados como artesanato lúdico - cartas do baralho, assim como artesanato religioso - bíblias, etc. Verdadeiros "Comic Strips" ou estórias em quadrinhos da época, levando em conta o grande número de analfabetos. Poucos anos depois (1454), o livro estampado onde surgiram vinhetas e grandes letras ilustrando os textos, já estava muito difundido com xilogravura de aplicação. Seguiram-se trabalhando nos valores certos dessa modalidade: Maestro E.S. 1466; Shongauer - 1455-1495; Dürer - 1471-1528; Lucas Cranach - 1472-1553; Albrecht Altdorfer - 1480-1538; Hans Baldung Grien - 1484-1545; Hans Burgkmair - 1473-1531; e tantos outros. De 1550 a 1700 é a época da decadência de xilo e da gravura em geral. Dominam os reprodutores de desenho e pinturas dos grandes mestres. Deve-se notar, no entanto, que quando Gutenberg inventou a prensa (ou imprensa) por volta de 1450, a gravura sobre madeira era ideal pela possibilidade de mobilidade dos blocos baseados em processos de registro. Portanto a xilogravura depois de 1550 se dedicou a fixar efeitos decorativos em força criativa e só existiu porque multiplicava obras de outras técnicas, caracterizando-se pelo uso de valores emprestados. Exceção feita às xilografias que se produziam no Oriente por volta dessa época até fins de 1700, por exemplo Hokusay e Utamaro, este último criador de lindas xilografias que tem certa ligação com o teatro Kabuki.
Após o período de decadência, houve uma retomada de xilogravura por seus valores criativos em Thomas Bewick na Inglaterra (1753-1828). Em 1860 na França, Jean François Millet revive a gravura em madeira de fio, pouco depois de seguido por Gauguin que se estende numa obra de grande reinvenção e simplicidade.
Finalmente Edvard Munch, norueguês (1863-1944) realiza uma obra colossal como gravador em madeira. Faz uma verdadeira revolução, trabalhando na matriz e imprimindo ele mesmo a sua gravura. Pelo uso específico dos instrumentos e aproveitamento da madeira é ele que repropõe em sua plenitude a técnica de xilogravura como meio expressivo.
Na Alemanha, os expressionistas todos trabalharam na mesma direção. Destacam-se: Nolde, Beckmann, Heckel, Kirchner, Kaethe Hollwitz, Feininger e tantos outros.
No México, Posada (1851-1913) revive a tradição, nunca interrompida desde seu início, da gravura sobre madeira ser instrumento de educação do povo. Tal como Leopoldo Mendez fez uma verdadeira escola baseada na eloqüência da caricatura e na utilização social da imagem. Suas gravuras, ou melhor, suas matrizes, eram impressas diretamente nos jornais diários, ao lado de textos tipográficos e clichês. São estes os ancestrais recentes de toda uma intenção que impregnou a geração de artistas do pós-guerra (1939-1945), até mesmo no Brasil.