Introdução
Registro, documentação ou necessidade de expressão, sacra ou profana, o fato é que a incisão ou gravado sobre superfícies rijas está presente desde que se conhece a história do homem. É de se supor que o esforço de apropriação e revelação de seu universo, milhares de anos antes da invenção do papel e da imprensa, tenha levado o homem a uma forma de registro. Possivelmente esta intenção aliada ao gesto de gravar impregnou de características específicas aquilo que iria estruturar uma "linguagem" bem distinta da do desenho, da pintura, da escultura, da fotografia e do cinema.
A troca, a comunicação e a divulgação no momento em que o homem se organiza socialmente, e especificamente com o advento dos primeiros núcleos urbanos, criaram a necessidade de encontrar um meio de multiplicação não só de texto como também de imagens. As implicações culturais e sociais que daí advieram são indiscutíveis.
A multiplicação de um original - a partir de uma matriz geradora veio romper a tradição valorativa da peça única, provocando uma renovação que iria afetar, inclusive o conceito e as avaliações estéticas. O valor de uma obra que aumenta ou diminui pelo fato de estar limitada a um possuidor privilegiado é quando muito, posta em questão. Esse valor na obra de multiplicação aumenta na medida do seu desdobramento, uma vez que patrocina a possibilidade de um convívio sem barreiras geográficas, sociais e culturais, com imagens, conceitos permanentemente transformadores da realidade. Assim a gravura vem expressar os anseios dos homens, sociais e culturalmente distanciados e diferenciados, consignados deste modo o seu alto sentido democrático.
Voltar
Leda Catunda
Voltar
A0298
Leda Catunda Serra (São Paulo SP 1961). Pintora e gravadora. Cursa artes plásticas na Fundação Armando Álvares Penteado - Faap, em São Paulo, entre 1980 e 1984, onde é aluna, entre outros, de Regina Silveira (1939), Julio Plaza (1938 - 2003), Nelson Leirner (1932) e Walter Zanini (1925). A partir de 1986, leciona na Faap e em seu ateliê, até meados dos anos 1990. Desde o fim dos anos 1980, ministra também workshops e cursos livres em várias instituições culturais no Brasil e ocasionalmente no exterior. Recebe o Prêmio Brasília de Artes Plásticas/Distrito Federal, na categoria aquisição, em 1990. Em 2003, defende doutorado em artes, com o trabalho Poética da Maciez: Pinturas e Objetos Poéticos, na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo - ECA/USP, com orientação de Julio Plaza. Tem ainda relevante atuação docente, lecionando pintura e desenho no curso de artes plásticas da Faculdade Santa Marcelina - FASM, em São Paulo, entre 1998 e 2005. Em 1998, é publicado o livro Leda Catunda, de autoria de Tadeu Chiarelli, pela editora Cosac & Naify.
Comentário Crítico
Leda Catunda estuda artes plásticas na Fundação Armando Álvares Penteado - Faap em São Paulo, de 1980 a 1984. Lá, assiste às aulas de Nelson Leirner (1932), Regina Silveira (1939), Julio Plaza (1938 - 2003) e Walter Zanini (1925). Os professores aproximam-na de discussões sobre arte conceitual, o estatuto da obra, sua mercantilização e o uso de meios tecnológicos de produção. Na mesma época, interessa-se pela pintura neo-expressionista produzida na Europa e nos Estados Unidos por artistas como Julian Schnabel (1951), Sandro Chia (1946) e Francesco Clemente (1952). Segundo o crítico de arte Tadeu Chiarelli, em suas primeiras obras, Leda trabalha com questões críticas do debate conceitual, como os interesses plásticos dos neo-expressionistas.1 Em 1982, faz litografias em que se apropria de imagens televisivas, procedimento familiar à geração de seus professores. Ao mesmo tempo, pinta quadros realistas.
No ano seguinte, a pintura passa a ser central em sua poética. Trabalha sobre tecidos estampados, cobrindo as figuras com cor. Continua trabalhando sobre superfícies estampadas. Ao invés de cobrir as imagens, sua pintura as realça, como em Jaguar(1984). Realiza figurações a partir do agrupamento de objetos e suportes inusitados. Junta tecidos recortados, costura-os e sobrepõe elementos pouco usuais à pintura. As obras ficam entre a pintura e o objeto. A artista lida também com motivos figurativos presentes na cultura popular.
Paulatinamente, o interesse de seu trabalho migra do tema da figuração para as questões estruturais. Chiarelli, afirma que 'em 1989 (...) Leda tenta redimensionar a sua produção, atentando mais precisamente para os seus aspectos visuais e plásticos, buscando com ímpeto desvencilhar-se do caráter anedótico e fortemente narrativo que caracteriza o seu trabalho anterior'.2 Não abandona a figura- no entanto, concentra-se nas relações formais e na estruturação da tela a partir do uso de materiais não convencionais, como meias e camisetas.
Na década de 1990, aprofunda o interesse pela especificidade dos materiais com que trabalha. Cria superfícies pictóricas a partir da sobreposição de tecidos e outros meios planos e coloridos. Trabalha com elementos diferentes, como tule, veludo, plástico, acolchoados, lona, couro e fórmica. O modo de agrupá-los por vezes é abstrato. Em outros trabalhos, como os relevos, a composição guarda familiaridade com imagens recorrentes. Partem de motivos simples, como o desenho da lua, insetos, gotas e partes do corpo. Nesses trabalhos, feitos na segunda metade da década de 1990, aproxima-se das esculturas de Claes Oldenburg (1929).
Nascimento
1961 - São Paulo SP - 23 de junho
Vida Familiar
Casada com o artista visual Sérgio Romagnolo
Formação
ca.1980/1984 - São Paulo SP - Cursa a Faculdade de Artes Plásticas da Faap
2001 - São Paulo SP - Doutoranda em poéticas visuais pela ECA/USP
Cronologia
Pintora, gravadora, artista intermídia, professora
1983 - São Paulo SP - Realiza trabalho em videotexto para a 17ª Bienal Internacional de São Paulo
1986 - São Paulo SP - Leciona na Faap e em seu ateliê
Críticas
'(...) A originalidade de Leda está em seus materiais, em sua postura e em seu fazer. Ela pinta sobre suportes absolutamente não convencionais, muitas vezes aproveitando imagens neles preexistentes. (...) em vez de telas, há uma barraca de praia, o couro de poltronas desmontadas, toalhas de banho, edredons, rendões, cabeleiras postiças e até babadinhos de capa de liquidificador, transformados em telhados de casinhas, onde luzes se acendem. Um dos trabalhos mais provocativos é o das cabeleiras. Uma composição em negro, dramática, algo mórbido. Resulta de uma viagem da artista ao Japão e reproduz - com absoluta liberdade - o clima claustrofóbico das multidões do metrô de Tóquio. A figuração de Leda, que confessa não saber desenhar uma pessoa, é assumidamente meio canhestra, a não ser quando ela aproveita para colorir desenhos já estampados. Deve-se ler essa pintura com olhos de 1987, entendendo a arte como uma idéia vigorosa e pessoal, cuja força conta mais que a execução e a 'cozinha' da técnica. (...)'.
Olívio Tavares de Araújo
LOUZADA, Júlio. Artes plásticas Brasil 1985:seu mercado, seus leilões. Prefácio Pietro Maria Bardi- Mino Carta. São Paulo: J. Louzada, 1984. p. 240.
'Numa época em que a pintura foi esquadrinhada, analisada, trabalhada no seu essencial, aparentemente esgotada na modernidade, como em projetos como o de Robert Ryman, Leda Catunda não elide nem busca sair pela tangente com relação à reificação da pintura, Catunda opera sua ironia. Suportes e superfície, tintas (gotas e pinceladas), cor - tudo está em colapso. A pintura reencontra seu sentido toda vez que um artista reinventa uma forma de pintar. Em sua paixão de pintar, Catunda escapa, na sua relação com a história da pintura, de algumas epidemias, tais como a epidemia das metáforas e a epidemia das citações. (...)
Em suma, sua pintura é paradoxal: persegue a realidade sem desistir da superfície sensual (...). Não pensa ter de escolher entre sentimento e pensamento (...). Sua pintura revela a base da natureza inumana em que o homem se instalou. A pintura de Leda Catunda se instala naquele território irrequieto e de problemática conciliação entre sentidos e razão'.
Paulo Herkenhoff
CATUNDA, LEDA. Leda Catunda. Texto Paulo Herkenhoff- tradução Esther Stearns d'Utra e Silva. São Paulo: Galeria Camargo Vilaça, 1996.
'Passados quase vinte anos de sua primeira grande aparição no circuito de arte paulistano e brasileiro, Leda Catunda se caracteriza hoje como uma artista que vem sabendo, como nunca, mesclar aos ensinamentos recebidos de seus professores na Faap, e à sua experiência como uma das artistas mais em evidência durante toda a década passada, um forte componente de inquietação diante das possibilidades da arte nos dias de hoje.
Ao invés de acomodar-se aos achados primeiros de sua carreira, ousou redimensionar o devir de sua obra em direção a um aprofundamento extremamente particular da pintura, enquanto instituição e enquanto modalidade sensível de conhecimento do mundo. Para isso, valeu-se da introdução, nesse campo, de procedimentos tradicionalmente alheios a ele, fato que determinou sua singularidade no âmbito das artes visuais no país.
Ainda em pleno processo de ampliação e sedimentação de sua poética, a duras penas resgatada das marchas e desvios abruptos que marcaram sua carreira no final da década passada e início desta, a artista Leda Catunda, no entanto, já demonstra ter alcançado um endereçamento definitivo para sua obra, enfatizando e ampliando os limites da pintura ainda enquanto instrumento de indagação sobre a forma e sobre a percepção do mundo'.
Tadeu Chiarelli
CHIARELLI, Tadeu. Problematizando a natureza da pintura. In: LEDA Catunda. São Paulo: Cosac & Naify, 1998. p. 29.