Introdução
Registro, documentação ou necessidade de expressão, sacra ou profana, o fato é que a incisão ou gravado sobre superfícies rijas está presente desde que se conhece a história do homem. É de se supor que o esforço de apropriação e revelação de seu universo, milhares de anos antes da invenção do papel e da imprensa, tenha levado o homem a uma forma de registro. Possivelmente esta intenção aliada ao gesto de gravar impregnou de características específicas aquilo que iria estruturar uma "linguagem" bem distinta da do desenho, da pintura, da escultura, da fotografia e do cinema.
A troca, a comunicação e a divulgação no momento em que o homem se organiza socialmente, e especificamente com o advento dos primeiros núcleos urbanos, criaram a necessidade de encontrar um meio de multiplicação não só de texto como também de imagens. As implicações culturais e sociais que daí advieram são indiscutíveis.
A multiplicação de um original - a partir de uma matriz geradora veio romper a tradição valorativa da peça única, provocando uma renovação que iria afetar, inclusive o conceito e as avaliações estéticas. O valor de uma obra que aumenta ou diminui pelo fato de estar limitada a um possuidor privilegiado é quando muito, posta em questão. Esse valor na obra de multiplicação aumenta na medida do seu desdobramento, uma vez que patrocina a possibilidade de um convívio sem barreiras geográficas, sociais e culturais, com imagens, conceitos permanentemente transformadores da realidade. Assim a gravura vem expressar os anseios dos homens, sociais e culturalmente distanciados e diferenciados, consignados deste modo o seu alto sentido democrático.
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Inimá De Paula
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A0258
Inimá de Paula (Itanhomi MG 1918 - Belo Horizonte MG 1999). Pintor e desenhista. A partir de 1937, freqüenta o Núcleo Antônio Parreiras, em Juiz de Fora, Minas Gerais. Em 1940, instala-se no Rio de Janeiro, matriculando-se nas aulas de Argemiro Cunha (1880-1940)no Liceu de Artes e Ofícios do Rio de Janeiro, as quais abandona em pouco tempo. Passa a pintar com alguns dos ex-integrantes do Núcleo Bernardelli. Em 1944, transfere-se para Fortaleza, onde conhece artistas locais e participa da criação da Sociedade Cearense de Artes Plásticas (SCAP). Volta ao Rio de Janeiro em 1945 e expõe com Aldemir Martins (1922-2006), Antonio Bandeira (1922-1967) e Jean-Pierre Chabloz (1910-1984), na galeria Askanasy. Em 1948, graças ao apoio de Candido Portinari (1903-1962), faz sua primeira mostra individual no Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB/RJ). Em 1950, ganha o prêmio de viagem ao país do Salão Nacional de Belas Artes (SNBA) e, no ano seguinte, viaja e expõe na Bahia. Em 1952, recebe o prêmio de viagem ao exterior do Salão Nacional de Arte Moderna (SNAM). Em Paris, entre 1954 e 1956, assiste a cursos na Académie de la Grande Chaumière e na École Normale Supérieure des Beaux-Arts. Em seguida, acompanha as aulas de André Lhote (1885 - 1962) e de Gino Severini (1883-1966). Quando volta, passa a fazer pinturas abstratas, algumas das quais mostra na 5ª Bienal de São Paulo. Na primeira metade dos anos 1960, muda-se para Belo Horizonte e retoma a pintura figurativa. Em 1998 é criada a Fundação Inimá de Paula em Belo Horizonte.
Comentário Crítico
Inimá é conhecido como 'o fauve brasileiro'1 em razão das cores fortes e vibrantes com que pinta e que são de fato característica marcante do seu trabalho. São vermelhos, azuis, amarelos e verdes que parecem puros e são inscritos na tela com movimentos vigorosos. Em alguns casos, ele lembra Henri Matisse (1869-1954) de La Plage Rouge (1905) e, em outros, o expressionismo. Como na marinha Pequeno Porto (1987), toda de cores intensas, ou ainda em alguns auto-retratos, em que traços vigorosos e cores sombrias conferem perturbação à figura.
Entretanto, durante toda sua carreira, Inimá também realiza obras em que os brancos e cinzas dominam. Seja nas paisagens urbanas de Santa Teresa, seja nas marinhas cearenses, ou mais tardiamente nas vistas mineiras, o branco é utilizado como cor, conferindo ainda mais tranqüilidade às cenas já praticamente desprovidas de ação. Muitos críticos enfatizam tal aspecto.2
Outro ponto que costuma definir a obra de Inimá é a predominância da paisagem, especificamente a urbana. A combinação da arquitetura com a natureza permite ao pintor realizar composições muito equilibradas, em que tende a cobrir a maior parte da tela, deixando pouco espaço para o céu, alternando as cores organizadas no casario com as manchas de cor da vegetação.
Todavia, ele também pinta retratos, naturezas-mortas e composições abstratas. As naturezas-mortas revelam influências de Paul Cézanne (1839-1906) e Matisse, tanto no traço e nas cores quanto nos objetos. Seu período abstrato é variado, abarcando composições mais cubistas que mantêm um resquício de figura, e outras mais informais.
Notas
1MORAIS, Frederico. Inimá de Paula. Rio de Janeiro: L. Christiano, 1987, p. 15.
2MORAIS, Frederico. Op cit., p. 23 e, por exemplo, Rubens Navarra em SAMPAIO, Renato. Inimá. Belo Horizonte: Rona, 1999, p. 172.
Nascimento/Morte
1918 - Itanhomi MG - 7 de dezembro
1999 - Belo Horizonte MG - 13 de agosto
Cronologia
Pintor, desenhista, gravador, professor
1938 - Muda-se para Juiz de Fora, Minas Gerais. Freqüenta o Núcleo Antônio Parreiras estudando com os artistas-artesãos Américo Rodrigues e Randolfo Santos
1940 - Viaja para o Rio de Janeiro, onde fixa residência. Estuda desenho, por dois meses, com Argemiro Cunha, no Liceu de Artes e Ofícios e aperfeiçoa-se como retocador de fotografias
1944 - Reside em Fortaleza e trabalha em uma loja de fotografias. Conhece Antônio Bandeira e Aldemir Martins e juntos fundam Sociedade Cearense de Belas Artes
1945 - Recebe bolsa de estudos do governo francês e viaja para Paris
ca.1945 - Filia-se ao Partido Comunista Brasileiro - PCB
1952 - Freqüenta por três meses, o curso que o pintor André Lhote leciona na residência de Manoel Santiago, a convite da prefeitura municipal do Rio de Janeiro
1954 - Viaja para Paris, com prêmio de viagem ao exterior, conquistado no Salão Nacional de Arte Moderna, em 1952
1954 - Estuda desenho e pintura mural na Académie de La Grande Chaumière, na escola de arte decorativa do pintor futurista italiano Gino Severini e freqüenta o ateliê de André Lothe
1956 - Volta ao Brasil e auxilia Candido Portinari na execução do painel Tiradentes
ca.1963 - Leciona pintura na Escola de Belas Artes e na Escola Guignard em Belo Horizonte
1967/1968 - Volta a viver no Rio de Janeiro
1970 - Recebe a Palma de Ouro como melhor pintor mineiro
1998 - É criada a Fundação Inimá de Paula, em Belo Horizonte
Críticas
'(...) Inimá tem permanecido expressionista, ao longo de sua carreira artística, com a única exceção de uma fase abstrata, resultante de sua permanência em Paris. (...) No primeiro período de sua permanência no Rio, Inimá pintou paisagens urbanas da Guanabara, sobretudo as casas centenárias da Cidade Nova e de Santa Teresa. (...) Esses quadros, seguidos de alguns retratos, são os trabalhos mais representativos dessa época expressionista do pintor. No período parisiense, (...) preocupa-se então, sobretudo, com o esquema do espaço e a representação geometrizada da natureza, de acordo com as idéias do seu mestre. (...). Vindo da Europa, Inimá regressou a Minas, tendo-se fixado entre Belo Horizonte e Ouro Preto. Voltou à figuração numa época em que já se evidenciava na Europa a crise da abstração. (...). A tendência expressionista logo avultaria nos primeiros tempos dessa nova volta à figuração, marcada pouco depois por uma surpreendente revalorização do objeto. As paisagens mineiras de Inimá, sobretudo as de Ouro Preto, divergem dos quadros de Guignard. (...) Mas, se as soluções de Guignard são quase sempre pictóricas, as de Inimá têm em vista outros desígnios, inclusive de ordem espacial ou arquitetônica, embora também o artista se preocupe em impor uma subjetividade à composição, obedecendo, nesse particular, a uma característica dos pintores expressionistas. Finalmente, em sua segunda fase, a carioca, (...) a arte de Inimá se enriquece e suas paisagens são mais variadas (...)'
Antônio Bento
CAVALCANTI, Carlos- AYALA, Walmir, org. Dicionário brasileiro de artistas plásticos. Apresentação de Maria Alice Barroso. Brasília: MEC/INL, 1973-1980. (Dicionários especializados, 5).
'Com exceção do longo período de trabalho no abstracionismo, durante a maior parte da década de 1950 e início da seguinte, o mineiro Inimá de Paula vem conservando tendência natural no sentido de uma mescla de fovismo e expressionismo, através da qual envolve seus temas prediletos: a paisagem e o retrato. Como anotou Antônio Bento, é possível que essa propensão de base tenha se desenvolvido mais intensamente a partir dos anos passados no Ceará, ainda quando ele iniciava a carreira de pintor depois de breve aprendizado em Juiz de Fora e no Rio. A paisagem nordestina e a inserção do ser humano nela teriam-lhe oferecido contrastes e violências que se iriam refletir nos aspectos cenograficamente dramatizados dos retratos, na luminosidade das paisagens mineiras e cariocas de várias fases ou nos interiores matisseanamente intensos e líricos de outros momentos. Até mesmo os anos de linguagem não figurativa - de início dominados, sob o estímulo de estudos com André Lhote, em Paris, pela busca de disciplina construtiva, e mais tarde transferidos para a área do tachismo - terminaram servindo de dínamo para adensar toda a prévia estrutura fauve-expressionista que o define. Mais recentemente, esse fundamento desembocou em pinturas onde a paisagem se submete a amplas e graves pinceladas de cores ferventes, com predomínio dos verdes, vermelhos, azuis e brancos, sem que no entanto os seus limites de origem cubista se tenham disfarçado por completo, embora tendentes cada vez mais a uma dispersão no esforço gestual. (...)'
Roberto Pontual
PONTUAL, Roberto. Arte brasileira contemporânea: Coleção Gilberto Chateaubriand. trad. Tradução de John Knox- Florence Eleanor Irvin. Apresentação de Pereira Carneiro. Rio de Janeiro: Jornal do Brasil, 1976.
'Não se pode falar propriamente de fases na pintura de Inimá de Paula. Ou, pelo menos, elas não estão bem delimitadas temática e formalmente. No máximo, pode-se circunscrever sua produção aos seus deslocamentos geográficos, mesmo assim precariamente, porque, acima deles, está o próprio estado de espírito do artista. Não há um desenvolvimento seqüencial ou linear de temas e colorido em sua obra. A cor, por vezes, irrompe furiosa em meio a longos períodos de predominância dos brancos e cinzas, e isto independe do lugar onde ele esteja. Da mesma maneira, em sua fase abstrata, ele não deixou de pintar obras figurativas. (...)
Porém, a marca mais visível e ao mesmo tempo a mais profunda é o fovismo, que se afirma plenamente em sua derradeira fase, a de Minas Gerais. Por intermédio do fovismo e de sua aproximação com a pintura de Kaminagai, ele se vincula à Escola de Paris, mas sem perder suas raízes brasileiras. Quando Inimá diz que sempre foi expressionista, é preciso entender bem o sentido de sua afirmação. Pode ser uma referência a momentos mais dramáticos de sua pintura, como o período carioca de 1967/1968, ou ele está empregando o termo no seu sentido mais amplo, o que define o expressionismo como uma tendência permanente da história da arte, que ressurge de tempos em tempos, sempre que existe uma crise, seja ela estética, seja moral, política ou econômica. Ou seja, o expressionismo seria o pólo da crise, por oposição ao pólo da construção, do qual o cubismo é exemplo. Crise e construção ou emoção e rigor seriam, então, as duas vertentes fundamentais da história da arte, cada uma delas abrigando diferentes escolas, ismos, tendências. Dentro desta perspectiva mais ampla, o fovismo integra a vertente expressionista. Ou então, pode-se dizer que ele é uma das suas raízes, ao lado do Die Brücke e do Blau Reiter, nascidos na Alemanha, pátria por excelência do expressionismo.
(...) Tudo o que deseja Inimá, com sua pintura, é alcançar uma atmosfera vibrátil para a cor. Como ele diz: 'Trabalhar o quadro sem magoá-lo, de forma espontânea, fluídica, uma pincelada, outra, mais outra, mas sem perder o sentido da forma, buscando sempre a ressonância e vibração da cor'. '
Frederico Morais
MORAIS, Frederico. A obra. In: ___. Inimá de Paula. Rio de Janeiro: L. Christiano, 1987. p. 65, p. 68, p. 112.