Introdução
Registro, documentação ou necessidade de expressão, sacra ou profana, o fato é que a incisão ou gravado sobre superfícies rijas está presente desde que se conhece a história do homem. É de se supor que o esforço de apropriação e revelação de seu universo, milhares de anos antes da invenção do papel e da imprensa, tenha levado o homem a uma forma de registro. Possivelmente esta intenção aliada ao gesto de gravar impregnou de características específicas aquilo que iria estruturar uma "linguagem" bem distinta da do desenho, da pintura, da escultura, da fotografia e do cinema.
A troca, a comunicação e a divulgação no momento em que o homem se organiza socialmente, e especificamente com o advento dos primeiros núcleos urbanos, criaram a necessidade de encontrar um meio de multiplicação não só de texto como também de imagens. As implicações culturais e sociais que daí advieram são indiscutíveis.
A multiplicação de um original - a partir de uma matriz geradora veio romper a tradição valorativa da peça única, provocando uma renovação que iria afetar, inclusive o conceito e as avaliações estéticas. O valor de uma obra que aumenta ou diminui pelo fato de estar limitada a um possuidor privilegiado é quando muito, posta em questão. Esse valor na obra de multiplicação aumenta na medida do seu desdobramento, uma vez que patrocina a possibilidade de um convívio sem barreiras geográficas, sociais e culturais, com imagens, conceitos permanentemente transformadores da realidade. Assim a gravura vem expressar os anseios dos homens, sociais e culturalmente distanciados e diferenciados, consignados deste modo o seu alto sentido democrático.
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Hermelindo Fiaminghi
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A0167
Hermelindo Fiaminghi (São Paulo SP 1920 - idem 2004). Pintor, desenhista, artista gráfico, litógrafo, publicitário, professor e crítico. Entre 1936 e 1941, freqüenta o Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo, onde estuda com Lothar Charoux (1912 - 1987) e Waldemar da Costa (1904 - 1982). Dedica-se à litografia, trabalhando nas principais indústrias gráficas de São Paulo. Em 1946, monta sua primeira empresa, o Graphstudio, atuando em produção gráfica. No começo da década de 1950, inicia trabalhos abstratos, em que revela a influência da arte construtiva. Colabora ainda com os poetas concretos na programação gráfica de seus poemas. Entre 1959 e 1966, freqüenta o ateliê de Alfredo Volpi (1896 - 1988). Integra o Grupo Ruptura, liderado por Waldemar Cordeiro (1925 - 1973). Participa da criação do ateliê coletivo do Brás, onde desenvolve a série Virtuais, trabalhando ainda com esmalte sobre eucatex. No começo da década de 1960, o artista inicia trabalhos com têmpera e faz experiências com a cor. Passa a utilizar o termo Corluz para designar seus trabalhos, desenvolvendo pesquisas com retículas em offset. É co-fundador da Associação de Artes Visuais e da Galeria Novas Tendências, em São Paulo, criadas em 1963. Em 1969, funda o Ateliê Livre de Artes Plásticas, em São José dos Campos, São Paulo, no qual atua como diretor e professor.
Comentário Crítico
Hermelindo Fiaminghi freqüenta o Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo, entre 1936 e 1941, onde estuda pintura com Waldemar da Costa (1904 - 1982). Cursa também artes gráficas, que exercerá ao longo de toda a sua carreira. Dedica-se à litografia, trabalhando nas principais indústrias gráficas de São Paulo. A partir de 1946, atua em publicidade. Fiaminghi adere ao movimento concreto em 1955. Contribui na produção gráfica dos poemas-cartazes dos escritores concretos paulistas, como Haroldo de Campos (1929 - 2003) e Décio Pignatari (1927). Em 1959, Fiaminghi rompe com Waldemar Cordeiro (1925 - 1973) e o grupo de artistas concretistas de São Paulo.
No início da carreira, dedica-se à abstração geométrica. Suas obras destacam-se pelo ritmo visual das composições, como em Long Play (1955), no qual trabalha com a sugestão de deslocamento de figuras geometrizadas. Utiliza freqüentemente uma gama reduzida de cores. A partir de 1958, produz a série Virtuais, em esmalte sobre madeira aglomerada. Utiliza poucas figuras, definidas por planos de cor, que apresentam certa ambigüidade, por se constituírem à superfície plana do quadro e, ao mesmo tempo, se inserirem no espaço cúbico, construído por planos ortogonais, como ocorre em Virtual XIV(1958).
Entre 1959 e 1966, freqüenta o ateliê de Alfredo Volpi (1896 - 1988), com quem aprende pintura a têmpera. Troca a madeira por telas de linho. Em suas pinturas, passa a utilizar cada vez mais a transparência das cores. Com a série de trabalhos denominada Cor-Luz, inicia pesquisas em torno da fusão e difusão da cor pela incidência da luz. Pinta telas inspiradas nas superfícies quadriculadas que compõem a retícula gráfica. Realiza também experimentos com slides, que são posteriormente impressos em off-set, buscando precisão ótica.
Posteriormente, sua pincelada tende a tornar-se mais gestual, subvertendo a trama quadriculada que estrutura suas telas. Na década de 1980, realiza uma série de 'desretratos', como o de Haroldo de Campos, de 1985, e de 'despaisagens', com pinceladas livres, que revelam o colorido como superfície flutuante. Nessa época, encantado com a pintura de Claude Monet (1840 - 1926), Fiaminghi revê suas obras e afirma: 'Tudo o que eu vinha pensando está lá', e, quase como um antigo pintor impressionista, diz: 'Persigo a luz, mas a luz é fugidia'.
Fiaminghi revela em sua produção grande liberdade no uso da cor. Ao longo de sua carreira, concilia a dupla atividade de artista plástico e de profissional de artes gráficas, sendo considerado por alguns críticos como pioneiro na utilização do off-set como linguagem de criação artística.
Nascimento/Morte
1920 - São Paulo SP - 22 de outubro
2004 - São Paulo SP - 29 de junho
Cronologia
Pintor, desenhista, artista gráfico, litógrafo, publicitário, professor, crítico
1935 - Trabalha na Companhia Melhoramentos, em São Paulo, atuando como litógrafo artesanal
1936/1941 - Estuda desenho, escultura e arquitetura no Liceu de Artes e Ofícios, em São Paulo, onde conhece Lothar Charoux (1912-1987)
1936 - Estuda desenho com Giglio
1938 - Estuda geometria descritiva e desenho artístico com Waldemar da Costa (1904-1982)
1939/1941 - Com Lothar Charoux frequenta o ateliê de Waldemar da Costa, na Avenida Brigadeiro Luís Antônio, em São Paulo
1941 - Trabalha no ateliê de litografia Benasatto
1941/1944 - Trabalha como litógrafo na Companhia Ipiranga, em São Paulo
1944 - Trabalha na gráfica Lanzara
1946/1948 - Dirige sua primeira empresa, a Graphstudio. Torna-se diagramador
1948 - Ingressa na Lintas Internacional Advertising, como diretor de arte
1950 - Conhece o designer e artista polonês Leopoldo Haar (1910-1954), que o apresenta à arte construtiva
1951 - A convite de Leopoldo Haar cria papel de carta e catálogo para a Escola Superior de Propaganda e Marketing
1952 - Volta a frequentar o ateliê da Waldemar da Costa
1952 - Trabalha como publicitário na Sensação Modas e pinta em casa
1955 - Inicia pesquisa da retícula cor-luz, executando slides. Colabora com os poetas concretos na programação gráfica de seus poemas. Conhece Alfredo Volpi (1896-1988), apresentado por Mario Schenberg (1914-1990)
1955 - Integra o Grupo Ruptura, liderado por Waldemar Cordeiro (1925-1973)
1956 - Começa a freqüentar o Clubinho dos Artistas a convite de Luiz Sacilotto (1924-2003), onde conhece os poetas Augusto de Campos (1931) e Décio Pignatari (1927)
1956 - Instala-se no ateliê de Waldemar da Costa, onde é fundada a União dos Artistas Plásticos
1958 - Integra a Comissão Organizadora do VII Salão Paulista de Arte Moderna
1958 - Torna-se membro do Conselho Diretor da Galeria de Arte das Folhas
1958/1959 - Integra o Ateliê Coletivo do Brás, ao lado de Waldemar Cordeiro, Féjer (1923-1989), Maurício Nogueira Lima (1930-1999) e Decio Pignatari (1927) onde desenvolve a série Virtuais
1959 - Inicia aprendizado com têmpera no ateliê de Alfredo Volpi
1959 - Funda a Planejamento, Divulgação e Propaganda - PDP, em sociedade com Décio Pignatari e outros. Começa a utilizar o nome cor-luz em seus trabalhos
1959 - Trabalha como free-lancer para agência Panam. Executa a programação visual do n. 4 da revista Noigandres
1959 - Retoma contato com Waldemar Cordeiro
1961 - Fotografa no Parque Ibirapuera, São Paulo, folhagens em contraluz, para trabalho com retículas e impressão off-set
1962 - Com Décio Pignatari executa a diagramação do livro de poesias Universo de Mário da Silva Brito, recebe o prêmio Jabuti - melhor capa de livro
1963 - Atua como co-fundador da Associação de Artes Visuais Novas Tendências
1966 - Trabalha com estamparia de tecido em evento promovido pela Rhodia
1967 - Vende a agência PDP para a MPM
1969/1970 - Cria e dirige o Ateliê Livre de Artes Plásticas, em São José dos Campos, São Paulo
1974 - Realiza a programação e ilustração do livro Xadrez de Estrelas, antologia de poemas de Haroldo de Campos (1929-2003)
1975 - Torna-se membro do júrio do 6º Salão Paulista de Arte Contemporânea
1975 - Inicia a execução das obras denominadas por Haroldo de Campos (1929 - 2003) deCasulírico. Realiza a programação gráfica da obra póetica de Ronaldo Azeredo (1937 - 2006). Começa a trabalhar no Idart - Secretaria da Cultura
1975 - Assessora os grupos Schmidt e Quimbrasil
1975/1976 - Retoma o Ateliê Livre de Artes Plásticas
1978 - Viaja com Sacilotto, para Paris. Hospeda-se no ateliê do escultor Féjer e conhece Julio Le Parc (1928)
1978 - Realiza a diagramação do livro Ianelli: do figurativo ao abstrato de Paulo Mendes de Almeida
1979 - Deixa o Idart
1992 - Lançamento do livro A Gênese da Pintura de Isabella Cabral e M. A. Amaral Resende em conjunto com a exposição da obra Corluz 91160, no Masp
1992 - Defesa da dissertação de mestrado Fiaminghi ou a concreção sensória pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo - ECA/USP, por Vitória Daniela Bousso
1993 - Participa do vídeo Fiaminghi, da série Encontros e Caminhos da Abstração, produzidos pelo Itaú Cultural
1993 - Ministra curso de arte no MAC/USP
1996 - Executa série de gravuras em co-autoria com Décio Pignatari
1998 - Lançamento do livro Hermelindo Fiaminghi de Isabella Cabral e Marco Antonio Amaral Resende, editado pela Edusp, coleção Artistas brasileiros nº 11
Críticas
'Em sua ampla série de Virtuais, Fiaminghi desenvolve exercícios plásticos de rara inventividade, compondo com Luís Sacilotto obras de instigantes soluções espaciais através de uma imensa economia de meios. Essa série, com suas experiências ´cor-luz´, que depois desenvolveria em off-set, seriam a sua grande contribuição dentro do movimento concreto. Com elementos reduzidos - dois triângulos e dois paralelogramos - trabalha a superfície do quadro (sempre em eucatex pintado a esmalte), dispondo-os num jogo múltiplo que propõe novos espaços ou geometria, encerrando os espaços aparentes. Sente-se, aqui, o artista manipulando a ambigüidade figura-fundo, embora não partindo de dogmas excessivamente rigorosos, pois, apesar de constituírem uma série, os Virtuais tinham dimensões variadas. Segundo Fiaminghi, era a composição dos elementos o que determinava o espaço que a imagem ocuparia, ou seja, a invenção é que determinava os limites físicos do quadro'.
Aracy Amaral
FIAMINGHI, Hermelindo. Fiaminghi: décadas 50-60-70. São Paulo: MAM, 1980.
'(...) Arte racional e objetiva que se pretende atingir por meios não só puramente artesanais, como quase que integralmente pragmatísticos, é levar longe demais a confiança no que já tive a oportunidade de denominar o ´controle sensível´... O controle eletrônico não só exclui, como exige o controle sensível. Um artista como Fiaminghi, que tem uma profunda tarimba em artes gráficas e está perfeitamente atualizado com suas técnicas mais modernas, sabe disso. Seus últimos trabalhos sobre tela formam uma série de aproximação ao problema da cor-luz, que apontam necessariamente para um controle mais rigoroso de sua manipulação. As artes gráficas dispõem de vários recursos para esse tipo de controle - e o seu caminho é um caminho natural para Hermelindo Fiaminghi, tendo em vista o devenir de sua arte. Esta arte-rumo de Fiaminghi deve ser acompanhada com toda a atenção, porque vai permitir recolocar problemas erroneamente esquecidos ou nem sequer formulados, como os propostos pelo desenho industrial, as artes gráficas, a fotografia, o cinema e a televisão, propiciando soluções realmente novas'.
Décio Pignatari
FIAMINGHI, Hermelindo. Fiaminghi: décadas 50-60-70. São Paulo: MAM, 1980.
'As primeiras pinturas racionais de Hermelindo Fiaminghi datam de 1953. Mas somente em 1955 deu-se a sua aproximação com os artistas e poetas concretos, sobretudo Décio Pignatari. A dinamicidade na articulação dos elementos geométricos e o emprego de reduzidas escalas de cor entre o preto e o branco em seus primeiros tempos (cf.Elevação Vertical com Movimento Horizontal, de 1955) ganhariam amplitude em 1956-57 (cf. Círculos Concêntricos e Alternados, deste último ano). De 1958 data a bem engendrada série dos Virtuais, cuja concepção é gestaltiana. Realizou depois quadros que denomina de Corluz. Esta investigação, nos limites da imaterialidade da luz, será feita também em lito-off-set, respondendo à necessidade de maior precisão ótica da obra. Fiaminghi reúne a dupla condição do artista plástico e do profissional de artes gráficas. Apesar de sua capacitada utilização de recursos tecnológicos na arte, permaneceria fiel à pintura e a técnicas tradicionais (como a têmpera), evidenciando seu concretismo uma liberdade de evolução apegada de preferência à expressão da cor'.
Walter Zanini
ZANINI, Walter (org.). História geral da arte no Brasil. São Paulo: Instituto Walther Moreira Salles, Fundação Djalma Guimarães, 1983.
'Meu depoimento é o de um pintor participante do movimento concreto. Não tenho formação crítica ou teórica, considero que há profissionais com linguagem mais apropriada levando-se em conta a técnica literária do discurso artístico.
Cheguei ao concretismo, por incrível que pareça, sem nenhuma formação teórica, nenhuma informação sobre seus postulados e mesmo o de sua existência.
Meus conhecimentos de história da arte, na época, iam até o cubismo, tudo o mais era abstrato. Meus ídolos eram Cézanne e Van Gogh.
Foi na terceira bienal que os críticos denunciaram-me como concreto, fui pego em flagrante
Minha curiosidade levou-me a toca da onça para saber que bicho era esse e topei com os concretos paulistas.
Aí, acabou-se a sensibilidade intuitiva, assumi a responsabilidade de uma arte responsável e todas as suas implicações locais.
Valeu...'
Hermelindo Fiaminghi
BOUSSO, Vitória Daniela. Fiaminghi ou a concreção sensória. 1992. 200 p. Dissertação (Mestrado) - Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo - ECA/USP, São Paulo, 1992. p. 164.
'A construção da cor é complexa. Fiaminghi não trabalha com cores básica puras, seus matrizes são, em geral, resultado de misturas bastante complicadas. Guia-se pela percepão que a cor produz em nossa visão e na sobreposição com outras cores. Obriga-se a muito misturar. Acompanhando o seu trabalho, foi possível identificar algumas de suas misturas cromáticas. Entretanto, nem todas são passíveis de identificação, por não terem um procedimento claro de composição (...). A cor tem ainda um aspecto temporal, executa um movimento de profundidada à medida em que seca, algumas cores saltam da tela, iluminam-se quando secas, isso pode levar um dia, isso pode levar dez dias'.
Isabella Cabral e Marco Antonio Amaral Rezende
CABRAL, Isabella, REZENDE, Marco Antonio Amaral. Hermelindo Fiaminghi. São Paulo: Rio, 1998. (Artistas brasileiros, 11). p. 24-25.