Introdução
Registro, documentação ou necessidade de expressão, sacra ou profana, o fato é que a incisão ou gravado sobre superfícies rijas está presente desde que se conhece a história do homem. É de se supor que o esforço de apropriação e revelação de seu universo, milhares de anos antes da invenção do papel e da imprensa, tenha levado o homem a uma forma de registro. Possivelmente esta intenção aliada ao gesto de gravar impregnou de características específicas aquilo que iria estruturar uma "linguagem" bem distinta da do desenho, da pintura, da escultura, da fotografia e do cinema.
A troca, a comunicação e a divulgação no momento em que o homem se organiza socialmente, e especificamente com o advento dos primeiros núcleos urbanos, criaram a necessidade de encontrar um meio de multiplicação não só de texto como também de imagens. As implicações culturais e sociais que daí advieram são indiscutíveis.
A multiplicação de um original - a partir de uma matriz geradora veio romper a tradição valorativa da peça única, provocando uma renovação que iria afetar, inclusive o conceito e as avaliações estéticas. O valor de uma obra que aumenta ou diminui pelo fato de estar limitada a um possuidor privilegiado é quando muito, posta em questão. Esse valor na obra de multiplicação aumenta na medida do seu desdobramento, uma vez que patrocina a possibilidade de um convívio sem barreiras geográficas, sociais e culturais, com imagens, conceitos permanentemente transformadores da realidade. Assim a gravura vem expressar os anseios dos homens, sociais e culturalmente distanciados e diferenciados, consignados deste modo o seu alto sentido democrático.
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Helio Cabral
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A0269
Antonio Hélio Cabral (Marília SP 1948). Pintor. No início da década de 1960, freqüenta a oficina de Fausto Boghi, com quem aprende técnicas de cinzel, realiza relevos em cobre, em São Paulo. Cursa arquitetura na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo - FAU/USP, entre 1970 e 1974. Em 1973, leciona desenho no Arstudium, em São Paulo. A partir da metade da década de 1970, freqüenta sessões de modelo vivo no ateliê de Antônio Carelli (1926) e estuda modelagem e fundição em gesso no ateliê de Raphael Galvez (1907-1998). Entre 1974 e 1984, atua como professor e coordenador dos ateliês de arte do Museu Lasar Segall e, de 1981 a 1984, leciona desenho e pintura na Pinacoteca do Estado de São Paulo - Pesp. É curador da exposição Raphael Galvez: A Cidade à Sombra dos 40 - Pinturas, realizada na Pesp, em 1994. Em 1995, a Editora da Universidade de São Paulo lança o livro Hélio Cabral, sobre sua trajetória artística, de autoria de Leon Kossovitch. Cabral dedica-se principalmente à pintura, mas trabalha também com desenho, gravura e escultura.
Comentário Crítico
Com formação em arquitetura, na década de 1970, Antonio Cabral estuda com os artistas Antônio Carelli (1926) e Raphael Galvez (1907-1998). Entre 1974 e 1984, atua como professor e coordenador do ateliê de arte do Museu Lasar Segall e, de 1981 a 1984, leciona na Pinacoteca do Estado de São Paulo - Pesp. Em sua produção, busca ampliar questões levantadas pelo expressionismo e também pelas obras dos pintores Francis Bacon (1909-1992) e Willem de Kooning (1904-1997). Realiza um jogo de construção e desconstrução da figura, criada com base em traços coloridos, como em Figura Vermelha (1986). Em telas de 1988 apresenta figuras femininas sensuais, realizadas por meio de traços irregulares e manchas de cor. Os planos de fundo apresentam grande vibração cromática, dada pelo ritmo das pinceladas, como ocorre em Violeta ou em Figuras Horizontais. Utiliza freqüentemente cores mescladas e cambiantes.
Em quadros expostos em 1999, como Retrato 7, Antonio Cabral constrói a imagem a partir do manuseio da matéria oleosa: os volumes do rosto são percebidos na mudança da direção das pinceladas. Nessa série, elimina a oposição entre figura e fundo em obras de grande vibração cromática.
Nascimento
1948 - Marília SP - 25 de outubro
Formação
1956 - São Paulo SP - Freqüenta ateliê livre de arte montado na Biblioteca Infanto-Juvenil Monteiro Lobato
1961 - São Paulo SP - Aprende técnicas do cinzel na oficina de Fausto Boghi, italiano produtor de objetos de cobre
1970/1974 - São Paulo SP - Cursa arquitetura na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo - FAU/USP
1975/1976 - Freqüenta sessões de modelo vivo no ateliê de Antônio Carelli (1926) e recebe orientação sobre modelagem e fundição em gesso no ateliê de Raphael Galvez (1907-1998)
Cronologia
Pintor, gravador, escultor, desenhista, arquiteto, professor
1973 - Ensina, em São Paulo, desenho no Arstudium, escola organizada por Rui Perotti
1974/1984 - É professor e coordenador dos ateliês do Museu Lasar Segall, na capital paulista
1982/1984 - Dá aulas de pintura na Pinacoteca do Estado de São Paulo - Pesp
1994 - Participa como curador da exposição Raphael Galvez: a cidade à sombra dos 40 - pinturas, na Pesp
1995 - É lançado o livro Hélio Cabral, escrito por Leon Kossovitch e publicado pela Editora da Universidade de São Paulo - Edusp
1996 - Produz litografias no atelier da gráfica Ymagos
Críticas
'Antonio Hélio Cabral tem um raro e manifesto prazer em pintar. Ele diverte-se em alterar as cores do tubo de tinta, em destruir e reconstruir a imagem, e em embaralhar a visualidade convencional. Ele inventa a sua palheta e organiza uma escala de tons aparentemente sujos. Faz parte de sua diversão. É o solitário fazer de um alegre e discreto artista. Mas sua pintura tem súbitas iluminações, revelações cromáticas, e discute a idéia da forma e das suas possibilidades na arte contemporânea. Ele é dotado de uma luz própria e estes trabalhos, um pouco noturnos banhados pela luz fria e prateada da lua, são pictóricos até a medula. Cerne e vida de pintor. Artista vivencial, ele experimentou com sucesso a invenção de objetos a partir de restos urbanos, o desenho, a gravura, a escultura e a cerâmica. A sua pintura, também, quando olhada com atenção, nos revela a reconstrução da imagem a partir de detritos visuais. E o artista, com a paciência que o ofício requer, organiza as imagens e nos propõe o jogo de observá-las em um fundo pulsante de vida'.Jacob Klintowitz
KLINTOWITZ, Jacob. O Ofício da arte: a pintura. 2. ed. São Paulo: Sesc, 1987.
'Em Cabral, a figura surge e desaparece, brota e fana derivando na pulsão. Trópica, é na matéria que ela se configura e se desfigura- evitando o óbvio do figurado e o excluído do antifigurativo. Cabral destina a figura à matéria, seu fim e sua fonte. Rala na litografia, espessa no óleo, a matéria é imperecível pois sorve e expele a figura, a esta preexistindo: por isso, potência, mas também ato, a matéria é virtualidade, assim, em derivação etimológica, virtude- no laço, a própria figura se exalça, uma vez que faz conhecer a matéria no ressalto de sua eclosão e seu eclipse. Ostentação e ocultamento entrelaçam, assim, a matéria e a figura, sendo a noite de uma o dia da outra, entrecuzamento que explicita uma como apoio da outra, ou ainda, o conhecimento de uma como o obscurecimento da outra'.Leon Kossovitch (1999)
KOSSOVITCH, Leon. [Sem Título]. In: GRAVURA: arte brasileira do século XX. São Paulo: Itaú Cultural: Cosac & Naify, 2000, p. 156.