Introdução
Registro, documentação ou necessidade de expressão, sacra ou profana, o fato é que a incisão ou gravado sobre superfícies rijas está presente desde que se conhece a história do homem. É de se supor que o esforço de apropriação e revelação de seu universo, milhares de anos antes da invenção do papel e da imprensa, tenha levado o homem a uma forma de registro. Possivelmente esta intenção aliada ao gesto de gravar impregnou de características específicas aquilo que iria estruturar uma "linguagem" bem distinta da do desenho, da pintura, da escultura, da fotografia e do cinema.
A troca, a comunicação e a divulgação no momento em que o homem se organiza socialmente, e especificamente com o advento dos primeiros núcleos urbanos, criaram a necessidade de encontrar um meio de multiplicação não só de texto como também de imagens. As implicações culturais e sociais que daí advieram são indiscutíveis.
A multiplicação de um original - a partir de uma matriz geradora veio romper a tradição valorativa da peça única, provocando uma renovação que iria afetar, inclusive o conceito e as avaliações estéticas. O valor de uma obra que aumenta ou diminui pelo fato de estar limitada a um possuidor privilegiado é quando muito, posta em questão. Esse valor na obra de multiplicação aumenta na medida do seu desdobramento, uma vez que patrocina a possibilidade de um convívio sem barreiras geográficas, sociais e culturais, com imagens, conceitos permanentemente transformadores da realidade. Assim a gravura vem expressar os anseios dos homens, sociais e culturalmente distanciados e diferenciados, consignados deste modo o seu alto sentido democrático.
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Guyer Salles
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A0055
José Guyer Salles (São Paulo SP 1942). Pintor, gravador, aquarelista, ilustrador e desenhista. Freqüenta o curso de iniciação ao desenho da Faap, em São Paulo, onde é orientado por Nelson Nóbrega e Marcelo Grassmann em pintura e gravura, entre 1962 e 1964. Em 1965, estuda pintura com Glênio Bianchetti e gravura com Babinski, na Universidade de Brasília. Na década de 70, viaja para os Estados Unidos, onde permanece entre 1970 e 1974, como bolsista do Pratt Graphics Center de Nova York, onde atua também como professor assistente. Leciona no Art Barn em Connecticut, Estados Unidos. De volta para o Brasil, em 1976, funda e dirige a Oficina de Gravura 76, núcleo de artistas destinado ao ensino de gravura. Participa do Projeto Cidadania - 200 Anos da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, da Secretaria do Governo do Estado de São Paulo, em 1991- ilustra o livro Estações, de Flora Figueiredo, em 1995.
Nascimento
1942 - São Paulo SP
Formação
s.d. - Nova York (Estados Unidos) - Viaja a estudo, com bolsa no Pratt Graphics Center
1962/1964 - São Paulo SP - Freqüenta o curso de iniciação ao desenho da Faap. Recebe orientação de Nelson Nóbrega e Marcelo Grassmann em pintura e gravura
1965 - Brasília DF - Estuda pintura com Glênio Bianchetti e gravura com Babinski, na UnB
1977 - Nova York (Estados Unidos) - Retorna para Nova York e dedica-se exclusivamente a aquarelas e gravuras
Cronologia
Pintor, gravador, aquarelista, ilustrador, desenhista
1973 - Connecticut e Nova York (Estados Unidos) - Professor no Art Barn e professor assistente no Pratt Graphics Center de Nova York
1976 - São Paulo SP - Funda e dirige a Oficina de Gravura 76, núcleo de artistas destinado ao ensino de gravura
1991 - São Paulo SP - Participa do Projeto Cidadania - 200 Anos da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, Governo do Estado de São Paulo
1994 - São Paulo SP - Participa do projeto Passaporte para o Ano 2000, da Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo
1995 - São Paulo SP - Ilustra o livro Estações, de Flora Figueiredo
Críticas
'Ao optar como meio expressivo hoje predileto pela técnica da aquarela, que assim suplantou a da gravura em metal - em que tanto soubera distinguir-se -, José Guyer Salles confessou implicitamente a prioridade que tem concedido em anos recentes ao incorpóreo sobre o palpável e ao imaterial sobre o concreto, como atmosfera ideal de consubstanciação de suas grandes naturezas-mortas, de suas sensíveis paisagens, de suas visões ora líricas, ora fantásticas de artista inventivo. Fugiu, ao mesmo tempo, à claridade relativa proporcionada pela alternância entre luzes e sombras para mergulhar na claridade absoluta, na pura luz solar de um processo do qual é privilégio o poético jogo de nuances e transparências delicadas. (...) Se tal tendência ao imaterial é marcante na obra atual de Guyer, não menos óbvia é a maneira pessoal com que enfrenta e resolve o espaço pictórico, desdobrando-o em esquemas composicionais que nos evocam, de imediato, certos mestres chineses. Esse amálgama entre elementos ocidentais e orientais parece-nos, de resto, um dos peculiares encantos da arte de nosso expositor, cuja fixação nos Estados Unidos da América propiciou-lhe, com o amadurecimento de seus recursos expressivos, o enriquecimento de seu mundo-de-idéias (...)'.
José Roberto Teixeira Leite
GUYER Salles. Apresentação de José Roberto Teixeira Leite. São Paulo: Renato Magalhães Gouvêa Galeria de Arte, 1980.
'Embora nos últimos anos venha desenvolvendo um trabalho constante de pintura em telas de grande formato, Guyer Salles é um artista plástico que sempre teve a obra centrada na gravura em metal, na litografia e na aquarela. A aparente simplicidade que decorre da atribuição do imaginário de Guyer a um gênero, à natureza-morta dos cânones, se desvanece ao exame mais atento. Construído a partir da observação direta, o objeto concretiza-se na gravação como recusa iconográfica. Pois, matéria-prima, esse campo de observação deflagra o gravado sem subordiná-lo a si, de modo que não é impositiva a fidelidade a atributos, como cor local, luz e sombra ou contorno. Flores e frutas não são pretextos, nem modelos, mas doadores de visibilidades. A relação, em que não existe um primeiro a ser representado, mas sim um ponto interessantíssimo de partida, explicita os processos de constituição da obra de Guyer Salles. A figura, muitas vezes apenas um fragmento, aparece quase sempre hiperbolizada. Ampliada, contraditoriamente melhor se escamoteia nos sinais gráficos que mais se mostram. A pequena violeta em engrandecimento que não é o da lupa minuciosa, mera apresentadora de detalhes, configura-se como evento estranho. Desprezando assim os significados, não é metáfora, nem metonímia, tampouco representação naturalista ou ainda realização da imaginação ou da memória. Barrada a interpretação, negada a relação exterior, é nas articulações dos sinais gráficos que se devem buscar os sentidos na gravura. O uso de pinceladas de ácido diretamente sobre a chapa coberta de resina, sem as amarras do verniz, demarcador feroz de fronteiras, é o procedimento destacado pelo artista. Desse modo, podem ser conseguidas sutilezas de manchas, transparências e extensos matizes, trazendo para a estampa características marcantes da aquarela. Se é possível, claramente, perceber a contaminação mútua dessas técnicas, isso se deve às suas similaridades, de que servilismos ou hierarquias estão excluídos. As aguadas gravadas, variando em conformidade com a sua construção por ácidos diversos ou diferentes grãos de resina, distinguem-se das aquareladas. O vigor do traço produzido por água-forte ou ponta-seca, recurso historicamente primeiro e básico da gravura em metal, ou está ausente ou é usado com parcimônia. Quando hachura, ele se apresenta menos em seu uso comum de constituinte de meios-tons e mais como produtor de matéria gráfica. Quando linha, é circunscrição freqüentemente transgredida pelas manchas da água-tinta e do lavis. A transgressão, impedindo a redução constrangedora do espaço pela linha, também a desinveste de função privilegiada na construção do desenho. Nessa sintaxe econômica de procedimentos, a cor, muitas vezes vista como deslocada na calcografia - na qual por muito tempo predominou a monocromia com o preto preponderando -, tem posição relevante. Desmembrada em diversas chapas, sendo mesmo fracionada numa mesma placa, no final da impressão a cor revela a riqueza de somatórias e justaposições que apenas desta maneira podem acontecer. Elegendo parcos meios, dominando-os finamente, Guyer grava suas estampas refinadas'.
Nori Figueiredo - junho de 2000
GRAVURA: arte brasileira do século XX. Apresentação Ricardo Ribenboim- texto Leon Kossovitch, Mayra Laudanna, Ricardo Resende- design Rodney Schunck, Ricardo Ribenboim- fotografia da capa Romulo Fialdini. São Paulo: Itaú Cultural: Cosac & Naify, 2000, p. 168