Introdução
Registro, documentação ou necessidade de expressão, sacra ou profana, o fato é que a incisão ou gravado sobre superfícies rijas está presente desde que se conhece a história do homem. É de se supor que o esforço de apropriação e revelação de seu universo, milhares de anos antes da invenção do papel e da imprensa, tenha levado o homem a uma forma de registro. Possivelmente esta intenção aliada ao gesto de gravar impregnou de características específicas aquilo que iria estruturar uma "linguagem" bem distinta da do desenho, da pintura, da escultura, da fotografia e do cinema.
A troca, a comunicação e a divulgação no momento em que o homem se organiza socialmente, e especificamente com o advento dos primeiros núcleos urbanos, criaram a necessidade de encontrar um meio de multiplicação não só de texto como também de imagens. As implicações culturais e sociais que daí advieram são indiscutíveis.
A multiplicação de um original - a partir de uma matriz geradora veio romper a tradição valorativa da peça única, provocando uma renovação que iria afetar, inclusive o conceito e as avaliações estéticas. O valor de uma obra que aumenta ou diminui pelo fato de estar limitada a um possuidor privilegiado é quando muito, posta em questão. Esse valor na obra de multiplicação aumenta na medida do seu desdobramento, uma vez que patrocina a possibilidade de um convívio sem barreiras geográficas, sociais e culturais, com imagens, conceitos permanentemente transformadores da realidade. Assim a gravura vem expressar os anseios dos homens, sociais e culturalmente distanciados e diferenciados, consignados deste modo o seu alto sentido democrático.
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Fayga Ostrower
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A0041
Fayga Perla Ostrower (Lodz, Polônia 1920 - Rio de Janeiro RJ 2001). Gravadora, pintora, desenhista, ilustradora, ceramista, escritora, teórica da arte, professora. Vem para o Brasil em 1934. Cursa artes gráficas na Fundação Getúlio Vargas - FGV, em 1947, onde estuda xilogravura com Axl Leskoschek (1889 - 1975) e gravura em metal com Carlos Oswald (1882 - 1971). Sua produção inicial em xilogravura apresenta temática predominantemente social. No início dos anos 1950 passa a produzir obras abstratas. Entre 1954 e 1970, leciona no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro - MAM/RJ. Em 1955, viaja para Nova York como bolsista da Fulbright Comission. Trabalha no Brooklyn Museum Art School e estuda gravura no Atelier 17, de Stanley William Hayter (1901 - 1988). Em 1969, a Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro publica um álbum de gravuras realizadas entre 1954 e 1966. A partir da década de 1970, dedica-se também à aquarela. Publica vários livros sobre questões de arte e criação artística, entre eles Criatividade e Processos de Criação, 1978,Universos da Arte, 1983, Acasos e Criação Artística, 1990, e A Sensibilidade do Intelecto, 1998. Em 1983, é realizada retrospectiva dos 40 anos de sua obra gráfica, no Museu Nacional de Belas Artes - MNBA e, em 1995, a exposição Gravuras 1950-1995, no Centro Cultural Banco do Brasil - CCBB, no Rio de Janeiro. Em 2001 é lançado pela GMT Editora o livro Fayga Ostrower, organizado por Carlos Martins.
Comentário Crítico
Em 1934, Fayga Ostrower vem para o Brasil e se estabelece na cidade do Rio de Janeiro. Na década de 1940, a artista realiza gravuras figurativas, de linguagem expressionista ecubista, como ocorre em Lavadeiras (1947), tratando freqüentemente de temas sociais. Nas várias gravuras com o tema Maternidade, os traços são delicados e ocorre um delineamento bastante sintético das figuras. A artista realiza também ilustrações para periódicos e livros. Trabalha tanto com gravura em metal quanto com xilogravura, técnica que prevalece durante sua primeira individual, em 1948.
A partir de 1953, a artista abandona a figuração e volta-se para o abstracionismo. Como aponta o crítico Antônio Bento, por vezes, os elementos formais assumem, em suas gravuras, o caráter de verdadeira arquitetura, pela ordenação que ela imprime às linhas, aos ritmos e às cores. O jogo harmônico de planos coloridos verticais e horizontais estabelece um contraponto aos efeitos cromáticos. Desde os anos 1970, produz também aquarelas, nas quais se revela mais lírica, retomando sugestões de paisagem.
Em suas gravuras, Fayga Ostrower apresenta rigor expressivo e um uso muito impactante da cor, que cria espacialidades luminosas, alem de uma técnica apurada e um questionamento incessante sobre a essência mesma da criação artística - tema abordado freqüentemente em seus escritos. É precursora da abstração na técnica da gravura. Tem também importante atividade como educadora e escritora, com vários livros sobre as artes plásticas.
Nascimento/Morte
1920 - Lodz (Polônia) - 14 de setembro. Naturaliza-se brasileira em 1934
2001 - Rio de Janeiro RJ - 13 de setembro
Cronologia
Gravadora, pintora, desenhista, ilustradora, ceramista, escritora, teórica da arte e professora
1921/1933 - Vive na Alemanha
1933/1934 - Fixa residência na Bélgica
1934 - Passa a viver com sua família na cidade do Rio de Janeiro
1947 - Estuda desenho na Sociedade Brasileira de Belas Artes, no Rio de Janeiro
1947 - Estuda xilografia com Axl Leskoschek (1889 - 1975) e gravura em metal com Carlos Oswald (1882 - 1971), sendo aluna também de Santa Rosa (1909 - 1956) e da professora de história da arte Hannah Levy no curso de artes gráficas da Fundação Getúlio Vargas - FGV
1948/ca.1982 - Realiza ilustrações e capas de livros para diversas editoras. Um de seus primeiros trabalhos foi para a edição de 1948 de O Cortiço, de Aluísio de Azevedo
1953/1970 - Ministra cursos de composição e de análise crítica no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro - MAM/RJ (1954-1970), no Spellman College (1964), em Atlanta (Estados Unidos) e na Slade School da Universidade de Londres (Inglaterrra) e, posteriormente professora de pós-graduação, em várias universidades brasileiras. Desenvolve cursos para operários e centros comunitários, visando à divulgação da arte
1954 - Viaja como artista participante a convite da Guilde Internationale de la Gravure, em Genebra (Suiça)
1955 - Recebe bolsa da Fulbright, permanecendo por um ano em Nova York (Estados Unidos)
1956 - Recebe o 1º Prêmio Arte Contemporânea - melhor exposição do ano, no Museu de Arte Moderna de São Paulo - MAM/SP
1957 - Recebe o prêmio Nacional de Gravura na IV Bienal de São Paulo
1958 - Recebe Prêmio Internacional de Gravura na XXI Bienal de Veneza (Itália)
1958 - É convidada pelo governo inglês a visitar institutos de arte naquele país
1959/1982 - Membro do júri da 5ª Bienal Internacional de São Paulo (1959), do Salão Nacional de Arte Moderna (1962), no Rio de Janeiro, do 1º Salão Universitário Baiano de Artes Visuais (1978), em Salavador (BA), entre outros
1963/1966 - Ocupa presidência da Associação Brasileira de Artes Plásticas
1966 - É membro honorário da Academia de Arte e Desenho de Florença (Itália)
1967 - Recebe o Prêmio da Crítica de Arte - melhor exposição do ano, em Santiago (Chile)
1968 - É convidada pelo governo alemão a visitar institutos de arte e universidades naquele país
1968/1969 - Executa uma série de gravuras para o Palácio Itamaraty, em Brasília (DF)
1969 - A Biblioteca Nacional publica álbum de gravuras suas realizadas entre 1954 e 1966, no Rio de Janeiro
1969 - Recebe o Prêmio Golfinho de Ouro, de criatividade artística, no Rio de Janeiro
1970 - O governo brasileiro doa à ONU, pelo seu 25º aniversário, a série de sete xilogravuras Painel Itamaraty
1970 - Recebe Prêmio de gravura na II Biennale Internazionale della Gràfica, em Florença (Itália)
1972 - Recebe a Condecoração Cavaleiro da Ordem do Rio Branco, do governo brasileiro, no Rio de Janeiro
1978 - Publica Criatividade e Processos de Criação, pela Editora Vozes, em Petrópolis (RJ)
1978/1982 - Preside a comissão brasileira da International Society of Education through Art, Insea, da Unesco
1979 - É convidada a ser membro do conselho do International Center for Integrative Studies, Icis, em Nova York
1980 - Torna-se conselheira do Instituto Goethe, no Rio de Janeiro
1981 - É membro do conselho cultural do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro - MAM/RJ
1982 - Recebe titulação acadêmica Notório Saber, pelo Conselho Federal de Educação do MEC
1982 - Torna-se membro do Forum for Correspondence and Contact do Icis, em Nova York
1982 - Recebe o Prêmio Personalidade Cultural, na União Brasileira de Escritores, no Rio de Janeiro
1983 - É vice-presidente da Sociedade de Educação através da Arte- Sobreart, no Rio de Janeiro
1983 - Publica Universos da Arte, pela Editora Campus, no Rio de Janeiro
1983 - Torna-se membro do Conselho Cultural da Escola de Artes Visuais do Parque Lage - EAV/Parque Lage, no Rio de Janeiro
1984 - Recebe o Prêmio Nacional Mário Pedrosa da Associação Brasileira de Críticos de Arte - ABCA, melhor exposição do ano
1984 - Homenageada com o diploma da Ordem do Tucano, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP
1984 - Recebe o Prêmio Personalidade 1983 da Associação Paulista de Críticos de Artes - APCA
1985 - Recebe o título de Cidadão Honorário do Rio de Janeiro, na Câmara Municipal do Rio de Janeiro
1985 - É presidente da Sobreart, no Rio de Janeiro
1985 - Homenageada Mulher do Ano, do Conselho Nacional das Mulheres do Brasil, no Rio de Janeiro
1986 - Torna-se membro do Conselho Consultivo do Paço Imperial, no Rio de Janeiro
1987 - Inscrição no Livro de Ouro da cidade de Wuppertal (Alemanha)
1988 - Recebe Prêmio Candido Portinari de artes plásticas do Ministério da Cultura
1988 - Nomeada membro do Conselho Estadual de Cultura do Rio de Janeiro
1988 - Recebe o Prêmio da Associação Paulista de Críticos de Arte - APCA por melhor retrospectiva
1988 - Participa do ciclo de palestras O Olhar, promovido pela Funarte. Participa com o texto A Construção do Olhar, da publicação O Olhar, editado pela Companhia das Letras
1990 - Publica Acasos e Criação Artística, pela Editora Campus, no Rio de Janeiro
1990 - Participa, com o texto A Fonte do Desejo em Goya, da coletânea O Desejo, editado pela Companhia das Letras
1994 - Grande Prêmio Nacional de Arte (pelo conjunto da obra e contribuição à arte brasileira) do Ministério da Cultura do Brasil e Funarte
1997 - Publica Goya, Artista Revolucionário e Humanista, pela Editora Imaginário, em São Paulo
1998 - Rio de Janeiro RJ - Publica A Sensibilidade do Intelecto: visões paralelas na arte e na ciência, pela Editora Campus, pelo qual recebe, no ano seguinte, o Prêmio Literário Jabuti
1998 - Recebe o Prêmio do Mérito Cultural pelo Presidente da República do Brasil
1999 - Participa, com o texto Arte sobre Papel: da gravura chinesa às imagens de computador, da publicação A Cultura do Papel, pela Casa da Palavra e Fundação Eva Klabin, em São Paulo
1999 - Recebe o Grande Prêmio de Artes Plásticas do Ministério da Cultura
2000 - Lançado o vídeo Gravura e Gravadores, documentário dirigido por Olívio Tavares de Araújo, com depoimentos da artista e outros gravadores, produzido pelo Instituto Itaú Cultural
2001 - Lançado pela GMT Editora o livro Fayga Ostrower, organizado por Carlos Martins
Críticas
"Fayga Ostrower dedica-se à xilogravura, água-forte, água-tinta, etc. Sua dedicação lembra a de um Lívio Abramo. Tem ela alguma coisa de comum, aliás, com este último, o gosto da procura, do aperfeiçoamento técnico. Lívio é mais livre, mais impetuoso, de maior apaixonamento estético. E lança sua sonda mais longe. Mas em ambos há o mesmo ardor, a vontade concentrada de chegar a um resultado. Fayga Ostrower tateia ainda embaraçada por alguns preconceitos estéticos. Sua técnica é, entretanto, segura e invejável.
A maneira com que usa simultaneamente, na mesma gravação, a água-tinta, a água-forte e a tinta-seca não tem rival no Brasil. Nesse sentido, gravura como a Mulher é do maior interesse. A água-forte marca certos matizes, reforça o desenho com suas linhas, enquanto a água-tinta cria a atmosfera arrematando a composição. A ponta-seca completa certos detalhes, aveluda uma passagem num canto ou realça certa qualidade em outra extremidade.
Fayga tem na água-tinta um meio técnico inteiramente submisso à sua vontade. O que ela faz com a aguada também é estupendo. Nas últimas coisas, já demonstra rara virtuosidade, sobretudo ao permitir o enriquecimento da parte propriamente voluntária do desenho e da composição por certos efeitos advindos quase ocasionalmente da reação do ácido, da ordem no emprego da água-forte ou da água-tinta, etc.".
Mário Pedrosa
PEDROSA, Mário. Acadêmicos e modernos: textos escolhidos III. São Paulo: Rio, 1998. [Texto originalmente publicado no jornal Correio da Manhã, 14 nov. 1948].